Vivendo, contando e inventando histórias

O que seria uma velhice com futuro?

Não é preciso dizer que não há definição completa e consensual do que seria uma boa velhice. O contexto social e cultural influenciam no que seriam as aspirações pessoais para considerar de boa qualidade a própria vida, nesta fase. No plano do coletivo, parece ser uma boa estratégia considerar a abordagem preconizada pela Organização Mundial de Saúde: a do envelhecimento ativo. Esta abordagem inspira políticas públicas que deveriam promover condições para otimizar as oportunidades de autonomia e acesso a recursos que permitam aos indivíduos viver sua velhice com dignidade e contando com o respeito da sociedade. Num breve resumo da publicação do ILC Brasil ( http://ilcbrazil.org/wp-content/uploads/2016/02/Envelhecimento-Ativo-Um-Marco-Pol%C3%ADtico-ILC-Brasil_web.pdf ) sobre o tema, focamos nos pilares que sustentam esta idéia:

  1. Saúde
  2. Aprendizagem ao longo da vida
  3. Participação
  4. Segurança e proteção

Envelhecer ativamente passa por se preparar para viver podendo cuidar da saúde, manter a capacidade de aprender como forma de inserção social pela atividade intelectual, seguir participando da vida em sociedade e ter a segurança e proteção contra o abandono, a violência e a pobreza usurpadora da dignidade. Explorar o mais possível as oportunidades para assegurar aos idosos as condições para uma vida com significado e não uma vida onde predomine a sensação de perda, de fim, de inutilidade.

No entanto, olhando a realidade à nossa volta, vemos que há vários tipos de velhice e há vários modos de envelhecer. E, ao se ir entrando e saindo da vida adulta, é bom ter consciência disto para se ter a alternativa de escolher. Pode-se ser velho vivendo a vida de várias formas mas uma vida digna na velhice pede preparação, exige começar a garantir algumas condições. A boa velhice começa na juventude, onde se aprende a identificar maneiras de construir os requisitos para envelhecer ativamente. A velhice pega a quase todos nós de surpresa. Sendo considerada pela maioria das culturas uma fase da vida em declínio, uma espécie de antessala da morte, a reação predominante é não querer pensar sobre ela e, consequentemente, não se preparar para sua chegada. É comum ver nas pessoas a ideia de que a velhice é uma tragédia que se abate sobre os outros, nunca sobre nós. Velhos são sempre os outros amigos, os parentes, os passantes. É uma situação em que se encontram os outros, nunca nós mesmo, e se passamos a ignorá-la quem sabe ela deixa de existir. Pensando assim e nunca querendo saber sobre ela, só o acaso vai poder nos proporcionar uma velhice digna. Melhor encará-la e conhecê-la para desmistificar e poder planejar uma velhice ativa.

Pensando sobre todos estes aspectos que envolvem o envelhecer, um deles, entre tantos outros, me mobilizou quase que inteiramente. Conversando com idosos jovens, ou pré-idosos como costumo chamar os que estão entre 50 e 70 anos (como é bom não ser cientista e poder inventar categorias), percebi que muitos passam a pensar nesta fase da vida quando começam a surgir limitações físicas e mentais, quando a vista e memória já não as mesmas, quando as noitadas já cobram um preço alto de pagar e o vigor já anda meio em falta. Antevendo esta fase, as perguntas mais frequentes que se colocam são:

  • “Poderei continuar a viver na minha casa, como sempre vivi até agora?”
  • “Como fazer para não ir viver na casa de familiares?”
  • “Como prolongar o máximo possível a ida para uma instituição de longa permanência para idosos, eufemismo que não melhora muito nossa ideia sobre os asilos?”
  • “Que tipo de ajuda poderei ter para garantir os cuidados de que necessitarei?”
  • “Serei capaz de lidar com as dificuldades que, possivelmente, enfrentarei?”

Continuar a viver no seu lugar ( aging in place )parece ser um dos grandes desejos das pessoas que sentem a velhice avançando. Continuar a viver em suas próprias casas, com qualidade de vida, sem pôr em risco sua segurança e sem preocupar seus familiares e amigos, é uma modalidade ainda pouco conhecida pelos brasileiros de hoje mas que vem ganhando espaço e mudando nossa cultura. Morar sozinho não é mais sinônimo de solidão ou de abandono. Os novos idosos querem habitar um lugar seguro, sem precisar deixar suas casas para trás. No Brasil, o número de idosos que moram sozinhos cresce cada vez mais. Em São Paulo, um terço das residências com apenas um morador são de pessoas com mais de 65 anos. O resto do mundo já se adiantou. Nos Estados Unidos, 28% deles vivem só. Em Manhattan, são 50%. Em Estocolmo, na Suécia, 60%. Esta é uma tendência crescente em todo o mundo. Morar sozinho passou a ser uma possibilidade que cada vez mais se concretiza.

Para a maioria dos idosos, a resposta a estas perguntas passa por precisar adotar um novo estilo de vida, por ter que implementar reformas na sua habitação, por precisar contratar alguns serviços e, possivelmente, por se familiarizar com o uso de novos equipamentos e tecnologias que os apoiem nesta fase de crescentes limitações funcionais.

Diante do rápido envelhecimento populacional, apontando para um cenário onde, nos próximos 50 anos, cerca de um terço da população brasileira terá mais de 60 anos, a sociedade atual precisa se preparar para prover soluções que viabilizem esta alternativa de modalidade de vida para os idosos que optarem por ela. Não apenas para atender a estes legítimos anseios mas, principalmente, para se preparar para o provável déficit na oferta de vagas em instituições de longa permanência e na rara e cara mão-de-obra de cuidadores. Será preciso encontrar maneiras de prolongar a autonomia dos idosos numa sociedade onde esta faixa da população cresce a taxas nunca antes registradas e o custo social e financeiro do cuidado com ela atinge níveis preocupantes. Serão necessárias políticas públicas bem desenhadas e viáveis.

Faz parte desta preparação entender como gostariam de viver os idosos que não desejam morar em outras casas que não as suas, bem como conhecer as iniciativas em curso para apoiá-los, e aos seus familiares, neste movimento de postergar o máximo possível o período de vida autônoma de uma pessoa, no lugar em que escolheu viver.

Envelhecer na sua casa pode trazer amplos benefícios emocionais e entender porque os idosos querem isto e de que maneira querem é essencial para o desenho de qualquer solução. A sociedade se beneficiará ao ter seus idosos com a qualidade de vida que sonham. É fundamental começar a entender como vivem as pessoas que preferem esta alternativa, quais as vantagens e desvantagens deste modo de vida e a aprender através de benchmarking com países onde o envelhecimento populacional aconteceu mais cedo. É imprescindível avaliar o papel da tecnologia como aliada e verificar seu valor na escalabilidade das soluções, tornando-as acessíveis a todas as camadas da sociedade.

A observação, o registro e a análise de experiências em outros países para cotejar com o momento brasileiro pode ser uma contribuição valiosa para fazer face aos desafios e poder aproveitar as oportunidades decorrentes deste fenômeno do envelhecimento populacional. Cabe investigar como vivem atualmente os idosos que optaram por esta modalidade, que tipo de assistência necessitam em termos de serviços e produtos e com qual grau de sucesso é possível atender a esta expectativa.

Aí comecei a querer entender como vivem os idosos em outros lugares. Saber como são atendidas suas demandas. Identificar os tipos de serviços e produtos que ajudam um idoso a viver, com qualidade, em sua casa, mesmo com as limitações físicas e mentais impostas pelo avançar da idade. Entender de quais formas as redes de governo ( redes de ensino, pesquisa ou administração) podem servir de base para a oferta de serviços de monitoramento e atenção ao idoso.

E, principalmente, dado minha formação na área de tecnologia, entender o papel dela no alcance deste objetivo.

Comecei a por em prática a ideia de visitar outras cidades, em outros países. A escolha das cidades seguiu critérios visando explorar estilos de vida em países bem diversos em termos de cultura, condição econômica e familiaridade com o fenômeno do envelhecimento populacional.

A primeira escolha recaiu sobre a Dinamarca. Este país me impressionava por causa do seu título de país mais feliz do mundo, atribuído pela Sustainable Development Solutions Network. A SDSN escolheu critérios de avaliação que tinham a ver com estabilidade econômica, confiança no governo, baixa possibilidade de corrupção, segurança, mobilidade, PIB por pessoa e o surpreendente “poder contar com alguém ou alguma instituição, em tempos difíceis”. Segundo estes critérios foi feita a tentativa de tangibilizar a felicidade. E a Dinamarca ganhou, em 2015, este troféu de país mais feliz do mundo. Será que envelhecer num país feliz é garantia de uma velhice também feliz?

Depois partiria para Irlanda, por causa da revolução tecnológica que modificou sua economia e lá, certamente, este avanço tecnológico terá influenciado no modo de vida dos idosos.

Em seguida, para os Estados Unidos e sua Flórida, considerada a meca dos aposentados e a maior concentração de idosos do território americano.

Para o sul de Portugal, destino dos ingleses (o Brexit pode mudar esta escolha) e outros europeus ricos, para entender o que buscam os que não tem problemas financeiros.

Para o México, país com cultura de relações familiares muito similares à brasileira, para ver se basta estar cercado da família e ser cuidado por ela, para se ter uma velhice feliz, ativa ou não.

Para o Canadá, famoso pela qualidade de sua assistência social, para ver se é mito ou realidade para os velhos de lá.

E, também, para o Japão, conhecido por sua cultura milenar e fortes laços familiares, e que surpreendeu o mundo com a notícia de que alguns de seus idosos passaram a cometer o pequeno delito de roubar sanduíches para poder ir para a cadeia por 2 anos e lá ter algum amparo e proteção, já não mais garantidos no âmbito familiar.

Enfim, seria bom saber da realidade em outros lugares, ver se a velhice ativa é possível. Saber um pouco mais sobre se os velhos se sentem felizes ou não, sobre o quanto incomoda a solidão, sobre a experiência de viver num mundo com tantas mudanças que às vezes nos faz sentir ultrapassados quando não nos víamos assim há poucos meses atrás, sobre a globalização que cria os empregos que levam as pessoas queridas para bem longe de nós, sobre a insegurança quanto ao futuro das nossas aposentadorias, sobre a hostilidade das cidades e sobre a indiferença das pessoas. Observar modos de vida de idosos e me perguntar sobre tantas coisas deste novo Mundo Prateado, na esperança de encontrar soluções. Convencida de que garantir ao idoso uma vida apoiada nos pilares do envelhecimento ativo é um objetivo a ser perseguido constantemente pela sociedade, parti para esta aventura que comecei querendo ser uma pesquisa mas aos poucos fui me rendendo ao improviso e acabou por se transformar apenas numa viagem vista pelo ângulo da velhice.

Aqui vai um relato do que vi nesta primeira viagem. A Dinamarca além de ganhador do curioso troféu de felicidade, subjetivíssimo conceito a meu ver, se firmou também como meu primeiro destino por ser, no imaginário brasileiro, um lugar diferente, quase inacessível e, no meu próprio, como um desfio de um povo de uma aterradora e propalada frieza a ser derretida para se descobrir o modo de vida dos sues velhos. Não estudei nem li muito sobre o país, antes de partir para lá, para que as peculiaridades nórdicas não me desanimassem. A ignorância às vezes nos reserva boas surpresas, foi este o caso. Lá foi possível ver uma velhice com futuro.