Quando cheguei no Rio, em 1989, o glúten ainda não tinha dado à tapioca o status de comida funcional. Comer uma tapioquinha de côco ou com manteiga, em alguma esquina da Zona Sul, nem pensar. O “podrão” ( carrinho de cachorro quente, farto e barato) por sua vez dominava o mundo. As ferias livres tinham tímidas barraquinhas freqüentadas apenas por nordestinos que compravam a goma e voltavam para o aconchego das suas cozinhas. Eu me perguntava por que crepe fazia tanto sucesso e a tapioca seguia sem o apreço dos locais. Aí veio a moda do glúten free e ela agora reina soberana nos cardápios, ganhou estômagos e mentes. Eu que adoro uma pergunta, incorporo o sotaque baiano e penso: ‘Dá onde esse povo pensa que tapioca não engorda?!!” Mas faço boca de siri e deixo a danada viver seus de glória até que uma dieta a defenestre das mesas magras.
Engordando ou não, pouco importa para o nordestino. Para ele, substitui o pão à altura. Sua versão ensopada em leite de côco docinho pode muito bem passar por uma releitura gastronômica de sobremesa. Algo como o caviar de quiabo, inventado por uma chefe sem medo de inovar. A tapioca merece respeito. Basta ver a história contada pelo marido esquecido.
Para Zefa, com medinho Minha muié, jararaca, é braba de arrepiá. Me mandou comprar a goma Esqueci de me alembrá. Vortei prá feira tremendo, já ouvindo os desaforo, sentindo a lenha nos couro, cum medo de apanhá. Prá cobra que é minha Zefa, pode tudo se acabá Mas a danada da goma Essa num pode fartá. Pode findar o xamêgo, Pode os cachorro miá, Pode preto virar galego, Pode o fogo amorná, Pode o padre falar grego, Pode os peixe avoar, Aleijado pode andar e sol não alumiar Mas tapioca, arre égua! Isso num pode fartá. Desembestei lá pra feira, xispei numa carreira só Ou um amigo me salva ou vou virá brocoió Cumpadi Chico de Tonha, você tem que me ajudar, se vorto sem esta goma, a Zefa vai me sangrar. - Calma, cumpadi, assossegue Muié eu sei amansar Leve pra casa três quilo, chega prum jegue fartar. Vigie bem que ela coma e vai do esbregue escapar. Com a bicha no bisaco, agora é só cumeçá. Arrumar um alguidá, pra massa lá ensopar Escorrer devagazinho e com gosto peneirá Catar tudo que é cisquinho, cum pouco sal temperar Cobrir cum pano limpinho, cuidando para num secar A caçarola ariar, pra mulésta num grudar Esquentar dos dois ladinho, mexendo pra arredondar Passar manteiga da terra, bem no meinho dobrar Pegar um café quentinho, ajuntar um bilhetinho, Tudo isso bem feitinho Prá cascavel agradá. Com muita ajuda de Deus e Nossinhô Jesuiscristo O meu cumpadi impatou que eu ficasse malquisto. Sem minha Zefa não passo, sem minha Zefa eu num vivo Em nada eu vou achar graça e desse mundo desisto.