Vivendo, contando e inventando histórias

Uncategorized

O melhor do casamento

viuva

sem fins comerciais, da canstock

O melhor do casamento é a viuvez, acreditem em mim. Não o divórcio ou uma separação amigável, nada disso. Viuvez, pura e simples. Uma saída perfeita e elegante, se certos requisitos forem atendidos.

Feliz da mulher que casa com alguém que tem o bom gosto de morrer na hora certa, finalizando um acordo descuidado, feito quando se estava apaixonada e, portanto, desatenta. 

Toda mulher merece uma boa viuvez.

Toda mulher merece um desfecho quando ainda tem fogo para viver novos namoros, sendo agraciada com uma boa pensão ou com um bom patrimônio, para ser desfrutado ao bel prazer da fingida enlutada. Resumindo, o falecido deve sair de cena deixando um lastro financeiro, enquanto a consorte – que palavra mais que adequada – ainda é jovem e com hormônios em alta.

Passei muito tempo invejando uma amiga que passou por todos os estados civis e situações que só uma mulher bonita e gostosa tem a seu dispor: foi casada, desquitada, divorciada, amasiada, concubina, adúltera. Uma felizarda. Mas fui eu quem acabou tirando a sorte grande, fui dormir pensando em suicídio e acordei viúva!

Finalmente, a pessoa boa e generosa que sempre fui, teve sua recompensa. O intolerável do meu marido acordou roncando, com um infarto em curso e teve a morte dos tolos. Nervoso, reclamava da demora da ambulância e quando se deu conta que eu, sua diligente mulher, não tinha sequer avisado seu cardiologista, morreu com muita emoção cravada no coração defeituoso: incredulidade, revolta, sede de vingança.

Não fui pega de surpresa, eu não tinha um sonho, tinha um projeto, com tudo bem planejado. Fui para a cremação, gloriosamente vestida de preto, com jóias de platina e um véu negro, transparente sobre o rosto. Realizei a tão acalentada fantasia de ritualizar minha viuvez vestida de Jacqueline Kennedy. Como é bom dar vida a quimeras.

Desempenhei meu papel com a elegância das ricas, sem lamentações em voz alta mas dando um jeito de que os presentes pudessem me ouvir dizendo, num tom apropriado e entre contidos soluços, que o falecido teve comigo um cuidado amoroso até o fim. “Não se foi sem antes sussurrar, carinhosamente ao meu ouvido, sua última providência para me desentristecer: que eu fosse jogar metade das suas cinzas na Costa Amalfitana e a outra metade, nos fiordes da Finlândia” 

Logo depois da missa de sétimo dia, cumpri o desejado. 

Claro que ser viúva exige suporte psicológico, ainda mais quando é preciso trabalhar a tristeza de não ter provido socorro a tempo. Importante lembrar que casei apaixonada e que o sapo que acabou por amargar dois terços da minha vida, um dia foi príncipe. Depois de tanta tristeza tive que ficar fazendo sessões diárias de terapia, com meu analista, em Paris. Ainda bem que ele tinha me aconselhado a comprar um ap no Troisième, o bairro que sempre me encantou. Quando ele me dizia que eu precisava ter meu studiô ( fazendo biquinho para caprichar na pronúncia ) eu não podia mais responder por mim mesma de tão emocionada com seu charme. Ou élan, como preferia dizer meu salvador freudiano. 

Finalmente, depois de três meses, eu me senti forte para partir em busca da independência emocional, viajando por 15 países, durante um ano inteiro. Voltei mais despachada que a Madonna. 

Gostei e contratei, a peso de ouro, sessões de terapia três vezes ao dia, por tempo indeterminado, com mais um psicanalista. Dois deles era um bom jeito de se conseguir resultados a curto prazo. Esse segundo, um lacaniano moreno de olhos azuis. Um homem sensível e disposto a ouvir com atenção silenciosa e ininterrupta. Depois de um tempo, aconteceu uma transferência ao contrário e ele ficou depende de mim. Aí pude entender o prazer do meu marido em me ver completamente dependente dele. 

Às vezes, antes de dormir, agradeço a Deus a sorte de ter casado com um homem tão bom. Só casamentos especiais podem ter o final feliz de uma boa viuvez.