Vivendo, contando e inventando histórias

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Cartão Jerimum

O isolamento imposto pela pandemia lhe deu ideia de mudar para uma cidade pequena? Pensou na maravilhosa João Pessoa? Pois saiba que o fluxo migratório para lá é grande e, em breve, será necessário obter o Cartão Jerimum para ir viver naquele quase paraíso. O procedimento de obtenção se baseia no do Green Card americano e, portanto, será preciso dominar o linguajar local. Comece a ler alguns textos para ir se inteirando e conhecendo o povo. Precisando de ajuda com a tradução, vá pra baixa da égua.

A novela do rádio

Cumádi, escute só o leriado que foi a novela do meu ráidim quebrado. Sostô, eu, toda cheia de bondade, toda lorde, ir pirangar serviço daquele coisado desenxabido que ficou de endireitar o bichinho. Um miserávi que só queria me engabelar.

Depois de uma ruma de dias de maçada, eu me abofelei e fui lá tirar a limpo. Embioquei na loja do infeliz das costa zôca e estatelei: uma alcatifa mal-amanhada, um birô esborrotando de papel e umas caneca de aluminho tudo por ariar. Pelo chiqueiro de porco, dei logo fé que o caba era um contador de góga, um labrogeiro de marca maior. Dali não ia sair nada que prestasse, tava se vendo. Mas quem é burro pede a Deus que o mate e ao diabo que o carregue. Fiquei e foi um nó cego.

Fui atrás dele, antes do sereno chegar, escambixada com a luta da buchada que eu tava preparando para a festa de Santana e distinhorada pela falta da cantoria penosa que escuto no meu raidinho, todo dia que Deus dá. E eu empalhada ali, levando uma maçada da bexiga, de endoidecer qualquer cristão avexado. Ele pegou num ginitiado, num puxa-incói do estopô-balai e nada saía. Enturido, que só um poico mijando, não falava nada. Eu só cubando o caqueado do infitéti. Me abolotei numa cadeira cheirando a cachorro molhado e de lá nenhum daqueles bigodetes ia me tirar. Num ia arredar dali nem a poder de catimbó.

O fi da peste, pra dentro e pra fora, achichelando os chinelos, escangotando a camisa e eu me segurando para não esfregar o focinho dele no chapiscado da parede. Maginei até enfiar o quengo nos buracos do combongó mas NossinhoradoDesterro me empatou.Fiquei ali, sem me bulir, esturricada de sede, sem coragi pra tomar nem um góipe d’água. Nem a pulso eu ia beber naquele copo seboso. Também não ia adiantar pedir. Com o budejado e a latumia dos freguês, tudo reclamando, eu ia esbilitar e ninguém ia dar fé de mim.

O mulestado se fez de môco quando eu disse que dernantonti fazia umas telefonema e só ouvia calado como resposta. O peste quis me engabelar com a história de trancoso de que um menino já tinha ido ver o que era meu. Foi me dando um farnisim, uma gastura, cresci os mocotó, arreganhei as venta e assuntei: esse bixiguento foi desencavar essa pinóia onde? Na casa da mãe de pantanha?

Uma bruaca pensando que era gente e não secretária, se meteu no mei. Sungou o decote escachelado, aboticou os ói e soltou a voz de rajada de taquara rachada pedindo que eu assossegasse. Rebolei a escacela onde eu guardava os recibo mesmo no meio da titela daquela emzambuada, arrequeri Zé Pelintra e avisei que dava meia hora para aparecer meu raidim, quebrado ou inteiro. Se não aparecer vou quebrar dente e chapa de quem tiver nessa tapera que eles chamam de assitença ténica.

Um quizilento, mago que nem socó, veio conversar miolo de quartinha pra minha banda e mandei logo ele se intrometer na vida da rafameia dele. Como de besta, eu só tenho os olhos de macaco, me virei num dindim e dei a última cartada: essa briga de rapariga se finda se me pagarem umas apragata nova. Deu certo que só dedo em venta.

Recebi o dinheiro e desembestei pra fora, pensando que o raidim ia me adesculpar. Ele tava já caducando mesmo, intrigado com as estação, tão velho que ia chegar a hora de só pegar quizila. Me danei pra longe daquela mundiça que pensava que ia me dar rôdête e fazer cabrueraje comigo. Esparrela dessa, nunca mais.

Mas se me der na venêta, vou atentar aquelas praga daquela loja anarquisada, até ter de volta meu raidim. Num posso esquecer como ele acendia as luz de alegria quando me via. Sou mulé de amor sincero.