Vivendo, contando e inventando histórias

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Escrita sobre a escrita

Por que escrevo? Melhor ainda, por que comecei tão tarde? E por que publico?

Eu poderia inventar mil desculpas, fazer minhas as razões das cecílias e clarices. Elencar as mais emocionantes motivações. Explicar, em versos, o fogo do impulso criativo. Mas, não.

Escrevo apenas porque sou “escrevedora” e não escritora.

Uma escrevedora é um bicho estranho, refém de medos e dúvidas, que só consegue sair do armário depois dos 60 anos de idade.

É um ser que viveu décadas na insegurança, sabendo não poder ser penetra na festa de quem escreve para valer. Sem passe para um restrito clube dos que serão premiados, dos que terão lugar de destaque numa vitrine de livraria prestigiada. Eu, por exemplo. 

Precisei de uma desculpa para ter coragem de publicar o primeiro livro. Mas não abri mão de artimanhas. Deixei de lado os outros livros já paridos e escolhi o que tratava de um tema que amolecesse o coração do leitor: cuidado com os idosos. Um assunto que perdoasse a petulância da amadora. Tinha uma desculpa sempre à mão: “Ah, não sou escritora. Essas são apenas histórias que conto pra mim mesma. Pode ir lá no meu blog ver se não é assim”. 

Traí minha ironia e inventei um alter ego para enganar o leitor. Escrevo mas falo de coisas úteis, era o sub texto. Covardia deplorável. Que escritor faria isso?

Só há pouco ousei “escrivinhar” na primeira pessoa. Não achava que tivesse “lugar de escrita”. Alguém que passou a vida escrevendo relatórios e monografias pode ousar falar sobre amor, raiva, tristeza, alegria? Uma voz me dizia: volte para os seus chavões de ciência, tecnologia, inovação.

Só recentemente descobri que fugia do encontro com o leitor. Passei a vida me entretendo com Matemática e Computação ( ambas linguagens poéticas, creiam), sem admitir que o que eu fazia era escrever. Demonstrei muito teorema transformando incógnitas em personagens. Cada programa que implementava folhas de pagamento, relatórios estatísticos; era verdadeira poesia escrita em Cobol, Prolog e outras mais.

Durante anos, joguei fora tudo que escrevi. Folhas de papel, e depois arquivos, repletos de visão de mundo, paixões, questionamentos. Tudo no lixo. Por que mesmo? Por achar que a escrita era privilégio de gênios. Veio a internet e abriu espaço para os pobres mortais. Vendo, hoje, o Jabuti criar as categorias de Romance Literário e a de Entretenimento, penso no mundo que se abre.

Escrevo porque sou enxerida, por gostar de dar pitaco, de criar polêmica, de ser do contra, de mentir e fantasiar. Porque o tempo dobrou minha vaidade e timidez. Escrevo para mim. Pacificada com a ideia de que desprezem minhas palavras. Escrevo sem método: livros sem prefácio, crônicas que estouram o limite de caracteres, textos que ignoram regras. Publico onde der, domando o incômodo de que minha escrita possa não encontrar olhos que a apreciem. Não anseio por leitores mas por escutadores de história, os que me fazem querer contá-las cada vez melhor.

O “por que?” é menos importante do que o “para que?” Escrevo para ter assunto quando for preciso falar sozinha, para ficar a salvo da perda de memória; para ter passado, presente e futuro. Para me sentir bem contando coisas que vivi, ouvi ou inventei.