Uma amiga me conta, desconsolada, que nunca viajou ao exterior. Esteve na bica de perder essa virgindade quando seu chefe recusou uma reunião, em Caracas, por “ter que ir a Roma”, e a presenteou com a suplência. Mas a pandemia chegou a tempo do bilhete não ser emitido. Caraca! Nem por azar ela conseguiu viajar. Vê-se que ela quer muito saber que felicidade é essa que os turistas sentem. Confessa que antes não sentia falta mas, agora, com todos se gabando dessa maravilha, quer experimentar.
Esse desejo tem uma explicação coletiva. O mundo está cheio de pessoas portadoras da mais nova doença mundial que se manifesta pelo desejo incontrolável de viajar. Sempre, muito e para destinos variados.
Dromomania é o nome desse faniquito que faz com que o acometido, mal chegue em casa, já comece a busca por lugares distantes para onde possa levar suas neuras. Esse impulso por fugir da realidade, deambulando por aí, também é conhecido como Wanderlust, na versão alemã. As viagens passaram a ser o divisor entre os felizes e os pobre-diabos. E essa doença pega.
Mas nem todo andarilho pode ser diagnosticado como um errante transtornado. Há aqueles que são apenas exibidos e são esses o alvo da implicância da minha amiga. Segundo ela: “Uns insuportáveis que alimentam minha zanga com fotos e posts, a cada quinze minutos, com todos os detalhes do passeio. São tomados por um espírito obsessor e saem a psicografar tudo que veem pela frente. Em Paris, fotografam e comentam desde a Torre mais conhecida do mundo, até os talos de grama seca do Jardim de Luxemburgo. Tudo legendado com parágrafos clonados do Google. O tal espírito deve ter sido jornalista, em vidas passadas”
Os que têm essa síndrome do mochileiro são o equivalente àquela nossa tia que se aposentava e partia em viagem tipo Júlio Verne, matando de inveja quem teria que esperar mais 40 anos por essa regalia. Na volta, nos presenteava com os imãs de geladeira. O souvenir ficava ali, lembrando a diversão que não chegou para o nosso bico.
Essas viagens que minha amiga não faz são as responsáveis por sua rabugice, nas redes sociais. Todo fel é pouco para temperar seus comentários. Ela não economiza conflitos virtuais. Não consegue aturar, sem o revide do deboche, a ostentação dos roteiros exóticos.Tudo único, primeiro e último. “Para essa gente “amostrada”, diz ela, não basta viajar, tem que se gabar. A mim, só resta acompanhar no Instagram, a felicidade alheia.”
Sua rabugice parece despeito? Inveja da delícia que ela sabe ser amanhecer fora do alcance da empáfia de um chefe insuportável? Desejo de folga de um tedioso casamento beirando bodas de prata? Vontade de ficar protegida dos filhos que nunca lhe concedem a solidão dos banheiros? Dá para entender essas vontades.
Turista sempre faz sua viagem parecer melhor do que foi. Quem fica, sem ideia de como essa realidade é photoshopada, acaba achando que viajar é uma felicidade que precisa ser alcançada.
Minha amiga segue ranzinza, temendo não entrar nesse paraíso. Mas pelo menos não é a chata, cujo assunto é só viagem.
Nota válida para todos os textos: nem sempre o que conto foi vivido. Uso e abuso do direito de fantasiar e inventar histórias.