Vivendo, contando e inventando histórias

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As novas feiras literárias

Raphael Sierra P.

Pipocam anúncios de feiras literárias virtuais, nas redes sociais. Elas são o mais novo e discutível fenômeno do momento. Reformularam o conceito das antigas que aconteciam no mundo físico e viraram febre. Nessas novas, tudo pode ser virtual, inclusive os escritores. Já ouvi falar do robô DukaAff, desenvolvido no Japão, que tem um bilhão de leitores e sabe-se lá como são feitos seus textos. 

Que significa mesmo essa virtualidade?

Eu escrevo, profissionalmente, há 60 anos, desde quando a avó do Zuckerberg era criancinha. Não tenho lembrança de ter visto mais que 2 eventos literários se realizando, num mesmo mês. Hoje, 20 desses acontecem a cada hora. Essa fartura me confunde. Para ser honesto, me deixa bem aborrecido, p da vida, diria. Farejo embuste.

Lembro do Caetano, perplexo com as inumeráveis bancas de revistas que apinhavam as calçadas nos anos 70, perguntando em sonoros acordes: quem lê tanta notícia? Tivesse eu seu talento, minha incompreensão com esse tipo de feira, viraria um hit, berrando espanto. De onde vem tanto texto para tanta feira?!

No meu tempo – tenho orgulho dele, orgulho de ter 80 anos, de ter usado com a mesma maestria lápis, caneta tinteiro e agora teclado para produzir crônicas de qualidade – lá atrás, bastavam os dedos das mãos do Lula para se contar os grandes cronistas deste país. Hoje, nem um algoritmo de cálculo numérico pode determinar a quantidade exagerada de quem escreve e, pasmem, publica. Que tanta gente é essa, escrevendo tanto?

Não quero parecer superior, embora ache que eu mereça ver minha obra entendida e respeitada. Entendo que é pedir demais aos ansiosos jovens, programados para um shut down após a leitura de 180 caracteres, que gastem seu tempo com a meia dúzia de parágrafos que eu redijo. Esse formato não os atrai, demanda reflexão. Acho compreensível o choque geracional. Empatamos, eu também não engulo os autores do Facebook et caterva.

Critico a farra literária não só por achar injusta a concorrência. É mais que isso. Temo a banalização da escrita. Receio que textos capengas, sem respeito à gramática, sem capacidade de emocionar o leitor, sejam passados adiante como literatura. Tremo ao pensar no tanto de lixo exposto nessas feiras que infestam nossas timelines. Tomara que caiam logo de moda, elas e seus arremedos de escritores. 

Vou ao Facebook sem muita vontade e sempre perco a viagem. Não li ainda, nas tais feiras de lá, nada que acrescentasse algum mistério à minha existência.

Autor: Eu Lírico

Nota válida para todos os textos: nem sempre o que conto foi vivido. Uso e abuso do direito de fantasiar e inventar histórias.