Perfumes de uma vida toda.
Foi minha mãe quem me ensinou a gostar de perfumes. Ela não concebia a vida sem o prazer de um cheirinho bom que desse mais graça aos bons momentos e “desentristecesse” os dias menos felizes.
Sua paixão por eles me contagiou e aprendi cedo o valor de uma vida perfumada. Ela guardava seus frascos com o esmero de uma colecionadora. Só não os punha numa estante ou cristaleira, num lugar de destaque na sala de visitas, porque sabia que a luz podia alterar sua composição. Dizia que o que queria mesmo era poder ter sempre à vista prateleiras cheias de livros e perfumes.
Ela adorava abrir seu guarda-roupa e escolher o perfume que mais combinasse com a roupa que fosse vestir, com o clima do dia ou com seu estado de espírito. Lembro dos tantos nomes que a ouvia recitar quando buscava o cheiro que tinha em mente.
Escolhia com critério. Tinha perfume de ficar em casa: Ramage de Bourjois. Perfume de ir à missa: Fleur de Rocaille de Caron. Perfume de festa de aniversário: Muguet de Bonheur. Perfume para o tempo chuvoso dos meses de junho paraibanos: Ma Griffe de Carven. Perfume para os meses de verão: Caleche de Hermès. Para antes de dormir: Seiva de Alfazema da Phebo ( não, não era Chanel no. 5 da Marilyn). Para espantar tristeza: Bond Street de Yardley. Para aumentar a alegria: Joy de Jean Patou. Para ir à feira: Vetiver de Guerlain. Até para tratar com gente de quem não gostava, ela lançava mão de um auxílio olfativo para conter seu temperamento explosivo. E esses são apenas alguns do inúmeros que me foram apresentados pela caçadora de aromas que era ela.
No período em que o Brasil restringia a importação de produtos, comprar um perfume feito noutro país era muito complicado. Esse item virou uma espécie de distintivo de pessoas abastadas. Podia-se adivinhar a posição social de alguém pela fragrância que ela exalasse. Usar perfume francês era um privilégio e era preciso recorrer a contrabandistas para ter acesso a esse pequeno luxo. Minha mãe, não tendo outra saída, se arranjava com eles. Neste contexto, interiorizei conceitos equivocados. Para mim, contrabandista era uma pessoa super do bem que viabilizava nossos pequenos sonhos de consumo: relógios japoneses, sabonetes argentinos, óculos italianos. Minha mãe dava nó em pingo d’água para conseguir suas essências vindas da França, Inglaterra, Itália.
Para ela era importante, também, entender da composição dos perfumes, Aprendi com ela sobre a pirâmide olfativa, a combinação dos três tipos essências ou notas que dão vida ao perfume. As notas de fundo, as que fazem o perfume ser sentido muitas horas depois de usado. As notas de saída, as que deixam a primeira impressão olfativa. As de coração, as que são a alma da fragrância. Conheci os fixadores, os responsáveis por aprisionar os cheiros na nossa pele: os naturais, de âmbar das baleias e os artificiais, mais modernos e menos valiosos. Aprendi sobre flores, raízes e folhas de lugares longínquos e exóticos, que um dia eu iria conhecer.
Para cada momento marcante nas nossas vidas, ela definia o perfume que ia nos ligar a ele vida afora. Formaturas, batizados, casamentos, novos empregos, precisavam ter sua lembrança garantida na nossa história. Não confiava nas fotos que podiam se perder por aí. Já o cheiro ficaria para sempre na nossa memória.
A recordação mais antiga que tenho do meu encontro consciente com o papel dos perfumes na minha vida, remonta ao meu primeiro dia de aula, lá pelos meus 5 anos de idade. Posso descrever, nos mínimos detalhes, a caixa e vidro do perfume que foi o escolhido para mim: English Lavender, da Atiksons. Escuto minha mãe contando que este era um perfume perfeito para uma criança começar uma época feliz da sua vida. Enquanto foi fabricado, bastava que eu o visse para reviver o entusiasmo da expectativa de felicidade gerada naquele dia.
Ela me ensinou que passar perfume exigia atenção. Era preciso pegar o frasco e antecipar a emoção esperada. Seu borrifar era sempre acompanhado da verbalização do que se esperava da vida. Quase uma oração. A fragrância era a oferenda que iria fazer dos sonhos, realidade. Tornei-me adulta e fui compondo a minha própria prateleira de cheiros. Escolhi-os com prazer e posso lembrar, com precisão, dos momentos especiais que os perfumes de uma vida toda não me deixam esquecer.
Minha mãe teria feito 90 anos, em 01 de julho passado. Comemorei, indo a Grasse, na Provence, a capital mundial do perfume, aprender a fazer perfumes. Fiz um, em sua homenagem, que sei teria sido do seu gosto. Teria adorado, mais ainda, saber que a paixão herdada que se impregnou em mim, me fez realizar o sonho de brincar de perfumista.