Foi uma peleja me acostumar com o jeito de ser do carioca, quando cheguei aqui, em 1989, vinda de João Pessoa.
Estranhava demais os “bom dia” sem resposta no elevador, o incômodo que as pessoas pareciam sentir com minha mania paraibana de puxar papo com desconhecidos, a falta de convites para um lanche de sábado nas casas deles.
Encrenquei que não gostassem que a gente fizesse carinho nas pernas dos seus bebês, que fosse falta grave perguntar a uma grávida se era menino ou menina, que achassem invasivo meu interesse sobre o maravilhoso perfume que estavam usando, que perguntar onde tinham comprado a roupa linda de morrer fosse visto como curiosidade inadequada e não como um elogio.
Tudo que na minha terra era considerado um simpático interesse pelo outro, um pretexto para iniciar uma amizade, aqui era tido como falta de educação. Tive que abandonar o jeito nordestino de pedir informação tocando no ombro das pessoas. Perdoar que não decorassem os nomes das minhas filhas e que chamassem de “paraíba” tudo que achassem brega.
Foram muitas as estranhezas. Senti muita diferença entre a cidade que eu adorava quando vinha a passeio e a que me recebeu para estudar na PUC. Passei muito tempo me adaptando. Reclamei muito de demonstrarem pouco interesse pelos outros, de gostarem mais de bicho do que de gente. De não serem afáveis.
Não me conformava que sendo gente de riso tão fácil, uns gozadores natos, prezassem tanto por manter uma distância que me incomodava. Também não foi fácil para minhas filhas de 7 e 5 anos. Quando eu me preocupava que, passados seis meses, ainda não tivessem feito amigos na escola, ouvia a explicação da minha caçula: “Mãe, aqui os grupos são de 4. Tem que esperar alguém morrer para entrar em algum”. Mas o fato é que elas deram o seu jeito e eu continuei bancando a antropóloga que queria justificar o choque cultural pondo a culpa no outro.
Reclamei tanto que era difícil fazer amizades que esqueci que aqui casei duas vezes e com dois cariocas. Se era tão difícil achar amigos, por que era tão fácil namorar e casar? Quando aprendi a entender o jeito como eles socializam, tudo se ajeitou.
Os meus cariocas são gente finíssima, educada, preocupada com o bem estar dos outros, alegres, cultos. Não preciso nem nominá-los. Eles sabem quem são e como gosto deles. Meus cariocas não tem nada a ver com uns e outros que ocupam os jornais com notícias ruins.
Nesses dias de desesperança política, o Brasil pode pensar que esses são a maioria. Não são. Os meus só dão ótimas manchetes. Gente do bem e educada, com gosto por viver sem fazer mal ao mundo. Agradeço por terem me feito perder o bairrismo, uma forma idiota de se sentir superior.
Os meus cariocas são do caralho.