Vivendo, contando e inventando histórias

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Com-netos X sem-netos

Avós podem ser vítimas de revertério, nos neurônios e sinapses, que as transforma em seres mono temáticos e desinteressantes. Sei de gente que engavetou as amigas alegando ser impossível o papo com elas.

Se se comentava sobre uma paquera em curso, a resposta era “Será que ele tem netos?”

Ao discutir a angústia aposentar-não-aposentar, o retorno era: “Se você fosse avó saberia o que fazer com seu tempo”. A resposta a um pedido de conselho sobre vender ou não a casa onde se viveu a vida toda e com mais cômodos do que a solidão precisa, era “Tá louca? Sua piscina vai garantir a presença dos netos”. Viajar com elas, impossível; “Vou levar meus 4 netos”. Quatro! Essa é a coisa mais parecida com inferno para os sem-netos. As amigas foram perdidas para os netos. 

Passei a querer somente a companhia dos sem netos. Um alívio não precisar ouvir o lenga-lenga tedioso sobre o cotidiano dos pimpolhos. Como são gênios, educados e divertidos, enganam-se as avós. Eu não via nada disso. Os atributos deviam sair em recesso, quando eu os encontrava. Essas crianças, sem beleza, graça e simpatia, para mim, eram um desestímulo à voternidade.

Um belo dia, me chega a notícia de que serei avó de um menino. Minha nora atrasou o comunicado, por meses, para economizar minha antipatia. Guardei para mim o desagrado da novidade e lancei mão do álibi de um semestre sabático, justificando que voltaria para o inquietante nascimento. Guardei, num lugar onde a culpa não pudesse achar, o plano de regressar só quando a criança já estivesse falando.

Voltei e dei de cara com um enxerido que me chamou de vovozinha. Achei que essa babaquice devia ter sido coisa do meu filho, sempre ressentido com meu jeitão seco de ser.

Joca – não tenho culpa do nome nem do apelido – me seguia como sombra, sentava no meu colo sem pedir licença, me deitava no sofá para ver desenhos idiotas, me cobria de beijos nordestinos – os tais cheirinhos bem fungados no cangote -, sempre declarando que eu tinha perfume de flor. O pirralho me olhava como se eu fosse a pessoa mais adorável do mundo, mestre em brincadeiras e em invenção e contação de histórias. Ele adorava ler e foi aí que viramos amigos.

Nos papos diários das chamadas de vídeo com ele, fico pensando onde anda aquela mulher cujo plano de vida não incluía filhos que dirá netos. Aqui estou, em franco processo de abestalhamento, adorando a quarentena que me lançou numa solidão de amolecer os magoados corações dos pais dele. Por isso, ele e eu nos falamos todo dia, por horas. 

Joca é a amizade mais interessante que tenho, hoje. E não é só por ser neto, juro. O menino é lindo, educado, gênio, carismático.

Imaginem se os netos das minhas amigas fossem assim. Elas teriam sido mais insuportáveis ainda.

Nota válida para todos os textos: Uso e abuso do direito de fantasiar e inventar histórias.