Já que não podia ser um ano
Por que Provence? Decidi me aposentar depois de muito remoer dúvidas, culpas e medos. Achei que encerrar este período fazendo uma viagem sem o limite de tempo imposto por férias remuneradas era simbólico. Uma espécie de rito de passagem para encarar essa nova fase da vida com a sensação de que havia liberdade para sonhos e projetos. Contei o desejo a Dodora, amiga de seis décadas e ela topou ir junto. Sem nem saber para onde, nem quando voltar.
Contei que queria ficar numa cidade pequena, com tempo de sobra para caminhar todas as manhãs e passar as tardes sentadas num café, à beira de uma calçada, com um livro na mão, sobremesa e comidinhas. E vendo gente passar. A programação era só essa. Uma viagem sem roteiros a cumprir, sem nada para fazer, sem vida de turista. Dodora topou outra vez e ficou à espera de que eu decidisse o “para onde”.
Decidi que queria ver os campos de lavanda na Provence. As flores, não entendo porque, definem algumas das minhas viagens. Foi assim com o Japão. Logo eu que nunca cuidei sequer de um vasinho de violetas. Mas pronto, ia ser isto: ver lavandas e fazer um cursinho de perfumaria. O curso ( curto, claro ) tinha a ver com a paixão por aromas e perfumes dividida com minha mãe que nesse ano faria 90 anos. Reuni os pretextos e fiquei satisfeitíssima com eles. Dodora aprovou o roteiro. Estávamos em fevereiro de 2019. Incorporei a dona de “agência de viagens” e comecei a tratar do operacional: bilhetes, planos de saúde, plano de celular, bagagem e lugar para se hospedar.
Acertamos a data da partida para depois de 09 de maio de 2019, primeiro aniversário do meu neto Miguel; e a volta para julho. Do mesmo ano, infelizmente 🙂
Aix-en-Provence foi a cidade escolhida. Optamos por um apartamento maior porque iríamos receber visitas. Na segunda semana, Vítor, filho de Dodora, e sua mulher Eva. Alexandre, meu marido, no final do período. Foi uma maravilha, os hóspedes deram mais graça à temporada.
Chegamos no dia 03 junho, no final da tarde e já sentimos que a cidade ia oferecer o que buscávamos. Facilidades de uma cidade pequena, o charme do sul da França, um início de verão ameno.
A chegada era alegria quase completa porque nunca se sabe se o que se aluga vai corresponder à expectativa: um bom local e instalações limpas e funcionais.
Encontramos tudo como vimos nas fotos da reserva: um apartamento antigo, charmoso, bem montado, bem cuidado. Perto de tudo. Claro que antes eu dei uma colada nos roteiros de viagem, passeei pelo Street view, vi distâncias e conveniências. Tudo correu super. Ficamos na 6 rue Matheron.
Segundo a proprietária, o prédio tinha história. 🙄 Uma família comprou uma casa, em 1349, foi ampliando até que, século XV, ficou pronta. A família morou lá por 5 séculos. Um dos membros da família foi figurão no reinado do rei René. Na rua mais famosa de Aix, Cours Mirabeau, tem um estátua do rei e na lateral um medalhão com a efígie do nobre Matheron.
Deixamos as malas e saímos para o nosso primeiro jantar. Comida provençal, acompanhada do vinho rosé que ganha crescente prestígio.
No dia seguinte fomos andar pela redondeza. Prometi a mim mesma que não ia ficar pendurada no Google, ia passear sem destino e sem maiores perguntas. Saímos sem planos. A cidade nos encantou. Fica explicado porque tanta gente tem como sonho passar um período da vida lá. Uma cidade com muitas universidades e boa estrutura para idosos e crianças.
A cidade das mil fontes é, realmente, muito linda. Cores dos prédios contrastando com o céu de azul muito turquesa. As fotos fazem um pequeno intróito.
Terminamos a tarde no Café Deux Garçons, tornado famoso pela frequência de dois célebres rapazes: Cézanne e Zola. Comemos calisson, o doce local que encanta quem visita a região. Conversamos com algumas pessoas e fomos dormir sabendo que ia ser impossível realizar meu plano de ficar o mês inteiro só em Aix. Havia muita coisa para ver nas redondezas, como vai constar nos próximos posts.