Vivendo, contando e inventando histórias

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Baby blues

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A menina mal nasceu e meus peitos já viraram duas torneiras sem controle, dois inchaços recobertos de veias arroxeadas, jorrando um líquido branco azulado, fétido. “Amamentar é bom. Dois anos é o tempo certo”. Uma ova! Já se vão dois meses e sei que não vou aguentar esta tortura. “Menina, não diga isso, toda mãe gosta de dar mamar” Quem disse que quero ser mãe? Fiquem sabendo: quero desistir. 

Choro de saudade de como eram lindos os meus peitos. Agora são mamas. As auréolas pequenas e rosadas, um enorme hematoma. Que nojo! Que se dane o médico “ é preciso cuidar para que as mamas não empedrem”. Mamas?!! Não quero ter mamas! Quero meus peitos de volta. Antes eram pura sedução, agora horríveis bicos de mamadeira. Veias, muitas, saltadas e feias. Empedrada, estou eu.

Como chora esta menina! Começa o chororô e pronto, as veias arroxeadas são invadidas por um fluxo de alfinetes vindos sabe-se lá de onde, rasgando a passagem para o que se diz leite. É imediato! Berros, rio de espetos, pinga-pinga, bicos rachados em carne viva. E o cheiro, náusea. Sinto raiva e solidão. Choro muito e ainda é pouco. Um choro sem escuta, sem dar conta de tanta tristeza. Meses deformada, apavorada sem ver saída para a enrascada de parir e agora isto. Esta vida quase uma doença. 

Cadê a salvação do amor materno? Nada. Balela. Amamentar é só dor. 

Que raiva da hipocrisia das mulheres que engrossam o coro da alegria desta merda toda. Ninguém pode ser feliz quando perde sua vida. Por que ninguém me avisou que era assim? Odeio mais ainda as que dizem se sentir poderosas e lindas. Mentirosas. Não são! São feias, disformes, só serão comidas, a partir de agora, por alguma tara dos homens. Não são mais mulheres. São mães. Mães de Facebook, falsas felizes. E a Mãe Natureza? Outra sonsa. Só cuida do seu plano. “Pronto, já pode morrer depois de alimentar a cria. Só cuido da espécie. Quando tudo isto passar, nem você mesma vai mais gostar da pessoa que ficou em seu lugar, corpo horrendo, alma sem liberdade”

Meus olhos pingam mais que meus peitos. Rios de lágrimas pela perda de mim mesma e de tudo que adoro fazer. Nunca mais ler na cama ao acordar, nunca mais dançar até de madrugada, viajar sem destino, nunca mais o coração livre de preocupação, nunca mais sonos sem sobressaltos, nunca mais embriaguês de fumos e vinhos. Proibido! Estou de plantão garantindo outra vida.

“Alegre-se, querida” Como?!! E a terrível solidão? Pesada e só minha. Eu, um ser insubstituível. Não posso viver nem posso morrer. Não posso ser mais de mim. Não quero ser mãe, quero ser pai. Ou tia. 

Também perdi meu homem, agora apenas um pai. Solidário, nunca mais companheiro. Nessa de ser mãe estou só, só, só. E infeliz. Amamento e choro, por não ser mais eu. Decido que vou dar a esta filha o meu nome. Ela roubou minha vida, que fique também com meu nome. 

Enquanto ela mama, eu bebo as lágrimas que escorrem pelo rosto dessa mulher que deixa de existir. 

A menina devia mamar as minhas lágrimas e me dar algum alento. Não vejo nenhum azul, tudo é sem cor.

Narrador: Eu Lírico 🙂

Nota válida para todos os textos: Uso e abuso do direito de fantasiar e inventar histórias.