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Namoros na pandemia

Namoro na Pandemia

Morgana Miranda

Nunca foi fácil namorar. Até onde a vista da minha memória alcança, só consegue ver perrengue. Volto no tempo, para o meio da década de 60 e lembro o nó cego que era.

O processo incluía várias etapas. Primeiro, vinha o flerte: olhares recíprocos, movidos pelo interesse físico, sem conversa e ponto final. Depois, vinha o pedido formal, sempre feito pelo rapaz, para começar o namoro, pedido este analisado pelo conselho familiar. Cada família tinha seu próprio manual de bons costumes que devia ser seguido à risca para garantir o único desfecho pretendido pelos pais: o casamento. 

As regras eram rígidas: conversas na varanda com porta aberta para uma sala onde a mãe era encarregada de ouvir os perigosos silêncios e de tossir para lembrar ao casal que deixasse as mãos quietas e usasse a boca só para tagarelar. Dias certos e poucos para a ida à casa da moça, com toque de retirada, às 22:00h, no máximo. O namoro tinha um timing para virar noivado e casamento. Não tão rápido que pudesse parecer que a família queria se livrar da moça, nem tão longo que pudesse dar margem à desistência do rapaz. O decoro definia um prazo para se livrar de um namoro sem sal. Depois do fim, era de bom tom que a moça cumprisse uma quarentena. Namorar com outro, só depois de um ou dois meses. Nada de ficar de mão em mão, para não acabar “falada”, diziam os especialistas casamenteiros.

O tempo foi passando, o flerte foi virando paquera, depois crush ( tenho um abuso tão grande desta palavra :-), os manuais foram rasgados juntos com os sutiãs. A pílula anticoncepcional foi desvalorizando a virgindade na bolsa do sexo. A mulher entrou no mercado do trabalho, trazendo seu salário para aliviar o medo que as famílias tinham de bancar uma parente solteirona. O caritó passou a ser escolha e não destino.

Durante um certo tempo deu para namorar de um jeito que parecia livre, fácil. Mas, de um jeito insidioso, as dúvidas existenciais do final do século foram fazendo estragos. O namoro achou novas formas de se complicar. Namorar como antes, tendo como final obrigatório um casamento era um droga. Mas namorar rejeitando, a priori, a idéia de casar, idem. Dilemas.

Segue o ciclo e o jeito de namorar foi variando segundo a cultura, condição social  e intelectual. Surgiu uma novidade, largamente aceita, em alguns países, chamada dating.  O Google nos conta que é “sair para jantar com alguém, apostando na possibilidade de ficar romântica ou sexualmente interessados”. Um prelúdio de namoro que o cinema tratou de difundir e glamorizar. Até no meu sertão, o povo quer ter um date com seu crush!! 

A idéia era boa, um jeito bacana de duas pessoas conversarem, com a possibilidade de engatarem marcha ré, caso não fosse o caso. Nós, brasileiros, com nossa mania de adaptação, eliminamos o jantar e passamos direto para a sobremesa, a ser experimentada na cama. Vi muitas mulheres reclamarem que não queriam queimar etapas mas precisavam fazer esta concessão sob pena do homem sumir em busca de alguém que topasse. A regra foi invertida, primeiro a gente transa, depois ver se quer paquerar, namorar. 

E namorar, foi ficando difícil até de começar. Quando veio a pandemia, pensamos que ele fosse ser a primeira vítima fatal. Como ter crushs, dates e romance com distanciamento físico? Mas sabe aquela história do ímpeto da água de morro abaixo e fogo de morro acima, né?  Algum jeito ia aparecer para dar vazão ao desejo.  

Cupido se modernizou e criou sua flecha virtual. Há relatos inusitados de empresas que ajudam pessoas a encontrar, via internet, o seu par. Houve um aumento espantoso do número de cadastrados. Muitos passaram a namorar online e se dizem satisfeitos em não ter encontros presenciais, logo de cara. O namoro no mundo virtual não sofre a pressão de sexo já no primeiro encontro. Os pombinhos podem usar mais tempo para conversar via aplicativos de comunicação, sem pressa, com tempo para se conhecerem melhor. É possível compartilhar um jantar, um vinho, até mesmo um filme. Um espécie de namora à moda antiga, onde o sexo só será possível muito depois.

Quem diria que, sem poder sair de casa, fosse possível namorar? Quem se animar, é só passear pela internet. Quem queria tentar mas ficava refém de uma certa vergonha, agora tem a desculpa perfeita, é assim ou nada. Site de namoro, é o que não falta.