Sou daquelas que têm uma paixão platônica pela arte culinária. Um alguém que nunca conseguiu consumar seu amor pela gastronomia gerando pratos que alimentem, prazerosamente, o corpo e a alma. Fantasio que um dia serei lembrada pelas delícias que cozinharei e servirei a quem gosto. Tenho dúvidas, sei que sou melhor em ler receitas do que em executá-las. O mais provável é ser lembrada como uma cozinheira de mão vazia.
Mas não desisto e me preparo há décadas. Comecei recortando receitas da revista Querida, a Claudia dos anos 60. Depois, lendo com cuidado o livro de Dona Clara Otto, uma paraibana que reuniu em livro receitas maravilhosas, exceção feita a umas que pediam ingredientes inexistentes na limitada oferta da João Pessoa da época. Orégano e favas de baunilha, por exemplo.
Depois, passei a comprar livros de receitas e utensílios de cozinha, em quanto lugar eu visitasse. Mas cozinhar que é bom mesmo, nada.
Já comprei maçarico, mandolim, forma de tarte Tatin, espremedor de romã, forma de knafeh ( doce árabe que se faz sobre brasa!!!), maquininha de fazer spätzle (o nhoque alemão), tagine. Trouxe colher de pau do México, Lituânia e Havaí. E muita tralha mais que acabou longe da minha vista e memória. Usar o que leio e compro que é bom, nada. Só deu certo com as cafeteiras. Sendo a preferida a que veio do Vietnã.
Pensei ser possível progredir se experimentasse esquisitices e gostosuras, por onde andasse. Tubarão podre na Islândia, gafanhoto em Bangkok, sobremesa de feijão gelado com calda de leite de côco em Kuala Lumpur.
Concluí que era preciso sair da teoria para a prática. Já fiz curso de culinária em Chiang Mai, norte da Tailândia. A volta foi pior: desaprendi o básico nacional. Menos tapioca, cuscuz e arroz de leite, claro.
Achei que ir a restaurantes variados podia fazer desabrochar um talento escondido, um gosto pelas panelas ( que eu teimava em comprar por ai). Fui a restaurantes com propósito social em Siam Reap, comi em dezenas de feiras na Provence. Indo ao Japão, incluí Kanazawa, do outro lado do país, só para entender a mania de botar folha de ouro em tudo.
Assisto a tudo que é programa de gastronomia. Acompanhei encantada o conceito de cozinha molecular de Ferran Adrià, a efervescência de Jamie Oliver, a elegância do Bourdain. Sem falar nos nossos Bronze, Rita Lobo, Roberta Sudbrack.
Gosto de livros de receitas escritas à mão, com impressões digitais deixadas com molhos, farinhas e gorduras. De vez em quando, recorro ao único livro digital que aceito: o que a minha mãe me fez e foi escaneado antes que se desintegrasse. É uma consulta simbólica, dado que quando ela o escreveu eu era chatérrima e acabou que poucas receitas de família foram copiadas. Uma evidência da auto sabotagem da chefe de cozinha que não quero ser.
Ah, tenho mania de comprar sal e temperos que acabam perdendo cheiro e sabor para as prateleiras dos armários.
Tanta preparação, tanto conhecimento teórico, tantas calorias ingeridas e não consegui evoluir para o status de cozinheira. Sigo tentando.